terça-feira, agosto 20, 2013

As Crônicas de Nada: O leitão, o festeiro e o guarda sem roupa

-Tchau querida, o jantar estava ótimo. Disse Lewis
- Já vai sair amor? Mas ainda são nove horas? Replicou Suzana.
- Por isso mesmo minha querida, saio cedo para voltar cedo. Além do mais o pessoal do escritório não pode demorar hoje. Justificou
- Você sempre diz isso e volta tarde e bêbado.
- Se eu estivesse sempre bêbado como me diz, como conseguiria voltar.
- Não faça gracinhas, você sabe do que estou falando, sempre apronta alguma.
- Não se preocupe amor, voltarei são e salvo como sempre. Finalizou, já esticando a mão para alcançar seu casaco de linho preto e caminhando para a porta sem se alongar mais no assunto.

Suzana era uma mulher muito paciente e compreensiva, mas as noitadas de Lewis já estavam passando do limite. Na última havia chegado em casa de bicicleta e “estacionado” o carro na linha de trem desativada, mas isso é outra história. Entrou em seu carro e seguiu em direção ao PUB Peregrino da Alvorada, lugar de muitas histórias, pessoas amigáveis e preços acessíveis. Fácil entender porque alguém tão festeiro o elegera seu lugar preferido.

Pedro, Edmundo e Lúcia já estavam lá, aos poucos muitos outros foram chegando e o lugar foi ficando cheio. Lewis era do tipo que todas as pessoas gostam, amigável, bem humorado, sempre disposto a uma boa farra, um verdadeiro festeiro. Já se podia contar umas boas garrafas de cerveja sobre a mesa, conhaque e whisky também eram parte do cenário completado por risadas e desafios típicos de pessoas bêbadas nos bares.

- Eu te desafio a acertar a moeda dez vezes seguidas dentro do copo de chopp. Brandou Edmundo encarando Lewis.
- Pois saiba que eu sou tão preciso quanto um bisturi a laser. Replicou confiante.
- Pois saiba que só o que você tem de preciso é o verbo. Preciso, preciso parar de beber tanto e topar desafios impróprios. Intrometeu-se Lúcia.
- Não é desafio quando se tem certeza de que irá ganhar. Enfatizou Lewis.
- Ganhar? Como na semana passada quando você teve que estacionar seu carro no trilho de trem e voltar a pé para casa? Tripudiou Pedro.
- Pois então, se eu conseguir, vocês pagam a conta e ficarão uma semana trabalhando vestindo uma camisa com minha foto e os dizeres “o mestre dos desafios”. Impôs.
- E se você perder? Disse Edmundo já pensando no castigo, era sempre ele quem propunha as punições mais loucas e divertidas.
- Me diga você, não pensarei nisso, pois seria admitir que existe mesmo a possibilidade de eu perder.
- Pois você terá que ir até a propriedade de Eustáquio, roubar um de seus porcos e trazer para nós assarmos no domingo.
- FEITO.

Lúcia rapidamente solicitou ao garçom que limpasse toda a mesa deixando apenas o copo de chopp em questão. O coitado do homem já havia visto de tudo com esse grupo. Não ousou perguntar o que eram aqueles olhares fixos em um único copo no centro da mesa enquanto Lewis pesava moedas com as mãos. Fez o que foi solicitado e saiu intrigado.

O barulho do metal da moeda contra o vidro do copo foi o ponto de largada.

- Uma dentro. Contou Pedro, que se auto proclamara o juiz do desafio.
- Duas; Três; Quatro. Era de se admitir que Lewis era de fato muito bom nessas brincadeiras de bar.
- Cinco; Seis; Sete. Não se espantem, com Lewis era assim, tudo ia muito bem...até o final.
- Oito; Nove; Fora. Algumas vezes eu cheguei a me perguntar se Lewis na verdade não perdia de propósito para ter uma desculpa para realizar os desafios.

Se levantou, com alguma dificuldade como consequência do alto consumo de álcool, se recompôs, pegou seu casaco do sofá e virou-se em direção à porta. – Nos vemos domingo ao meio dia para nosso almoço. Levem cerveja. E saiu cambaleando e se escorando na parede. Chegar ao seu carro e ligá-lo já poderia ter sido considerado um desafio e tanto.

A propriedade de Eustáquio não era muito longe. Ele era um daqueles velhos folclóricos que cria porcos, galinhas e gado. Que se senta no balanço de metal da varanda com sua espingarda para que ninguém roube seus animais. Acho que até já o vi mascando tabaco e cuspindo no jarro uma ou duas vezes. Típico velho caipira. 

Lewis parou o carro ainda na estrada para não levantar suspeita e começou a se esgueirar pelos arbustos, passou pela cerca e caminhou lentamente terreno adentro, certo de que estava silencioso como um assassino dos filmes orientais. Pôde notar o chiqueiro à frente, muito embora o cheiro tenha chegado antes da visão propriamente dita.

Afrouxou a gola, arregaçou as mangas da camisa, colocou o casaco amarrado na cintura e sorrateiramente entrou. Não perdeu tempo escolhendo, foi direto no mais gordinho e que daria o melhor almoço. Tão rápida quanto sua ação de agarrar o leitão foi a resposta dos animais no chiqueiro que grunhiam sem parar em uma agonia aterrorizante.

Não deu nem tempo de pensar no que fazer e as luzes da casa estavam todas acessas. Ô velho vigilante. Correu para a saída mais próxima, oposta à porta por onde entrara. Difícil era segurar o porco enlamaçado e esperneando nos braços. A coisa piorou quanto começou a ouvir os barulhos de espingarda misturados com os gritos do velho e o mugido do gado. Aos poucos as luzes foram sendo acessas, dificultando sua camuflagem.

Como se não bastasse um policial havia acabado de se mudar para a casa do terreno ao lado. Homem daqueles que vão pra um lugar onde possam ter sossego, se desligar da rotina estressante de trabalho. Não deu certo. Saiu correndo de pijama mesmo e arma em punho. Quem em sã consciência usa um macacão vermelho de flanela pra dormir hoje em dia. E pior. Quem sai de casa vestido com ele. Pois saiu. E saiu correndo em direção a Lewis.

De repente tudo tornou-se um pandemônio. O velho atirando sal de um lado, o guarda de pijama correndo de outro, o porco grunhindo e escorregando e o carro ficando cada vez mais longe. Pulou um outro cercado, não era atleta, o guarda já estava bem próximo. Talvez conseguisse chegar na estrada de terra que passava por trás das casas. E percebeu que, de fato, seria necessário, pois um touro acabara de entrar na confusão. Ideia genial, correr pelo cercado do gado.


De longe podia se ouvir o velho praguejando. – Pega ele seu guarda, pega esse ladrão! Talvez se o velho não tivesse a vista tão ruim e cansada não conseguisse falar de tanto rir, era mesmo uma cena hilária apesar de trágica. Tão logo o guarda entrou no cercado do gado foi encarado pelo dragão. Esse era  nome dado para o touro mais feroz, diziam que ele soltava fogo pelas ventas de raiva. E nada o deixava mais irritado do que a cor vermelha.

- Socorro! Gritou o guarda ao ver o touro correndo em sua direção.
- Roupa vermelha não, roupa vermelha ele não gosta! Alertou Eustáquio.

Ele poderia ter atirado no touro, mas era daqueles policiais bons, que seguem a lei à risca para minimizar danos. Não perdeu tempo, foi correndo e tirando o macacão de pijama. Não era uma tarefa simples, jogou a arma pro alto e entre tropeços e improvisos conseguiu tirar a roupa toda. Ainda a ponto de ver Lewis se distanciando um pouco mais. Não podia desistir agora, já tinha se prestado a todo aquele ridículo, apressou a corrida, mas já sem o touro em seu encalço.


Já no final da cerca conseguiu alcançar Lewis. Ele perdera tempo amarrando o leitão com seu casaco antes que o mesmo escorregasse e fosse tudo em vão.  Em meio a toda a confusão nem notaram as viaturas de polícia na rua de trás. Foi só o tempo do guarda se jogar contra as pernas do meliante que foram todos pro chão, o leitão, o festeiro e o guarda sem roupa.

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